sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A arte da crônica - José Carlos Mendes Brandão

A crônica também é uma arte, e justamente aí está a dificuldade: conciliar arte e jornalismo. Pois a crônica é antes de tudo jornalismo. A sua forma artística está ligada à forma jornalística, assim como o seu conteúdo, humano, filosófica, poético, humorístico, pitoresco, deve ser ao mesmo tempo matéria de jornal.

Mas que é uma crônica? O dicionário é impreciso. Lemos: “narração histórica segundo a ordem em que os fatos vão-se dando” ou “noticiário dos jornais”. Só que isso é história. São os velhos cronicões. São fatos subordinados inteiramente ao tempo: passa-se o tempo, morre o interesse. São impessoais, a notícia é que é importante. Mas talvez por aí possa-se definir um outro tipo de crônica, jornalístico-literária, individual e atemporal.

É quando há a marca inconfundível do autor. É quando os fatos são mais pretexto, para devaneios, considerações pessoais, testemunho humano, e mais vale a maneira de o cronista ver e dizer as coisas, mais vale a sua personalidade, o que diz sobre o que acontece, não o acontecimento por si mesmo.

Para se compreender melhor a crônica é preciso remontar ao velho ensaio francês, que não é o ensaio que conhecemos (estudo, análise, pesquisa, com os instrumentos da ciência) e sim um testemunho, uma opinião, uma determinada visão do mundo. Assim pode-se compreender o ensaio de Montaigne ou de Camus. Assim pode-se compreender por que se diz que “Terra dos Homens” de Saint-Exupéry não é um romance, são cinco ensaios: narrativa de sua experiência, testemunho da vida e dos homens. Pouco me importam Mermoz ou Guillaumet ou o próprio Saint-Exupéry: já morreram. Importa-me a sua grandeza humana, que conheço através de uma linguagem poética, de profundidade filosófica disfarçada na simplicidade de quem viu o mundo com clareza, do alto das nuvens, “acima da ignorância e estupidez humana.”

Morreu o escritor: seus livros continuam a nos interessar e a nos ensinar. Morreu o nosso Machado de Assis: suas crônicas ainda nos divertem e nos dão lições, em seu tom gracioso, irônico-humorístico, jocoso, como quem não quer nada com nada, de que o tempo passa e nós passamos por ele. Morreu Stanislaw Ponte Preta: também permanece através de um outro tipo de crônica, contando-nos casos divertidíssimos da tragicomédia cotidiana.

Mas eu falava da dificuldade da crônica. O próprio Machado, que soube dar um movimento à crônica para manter o leitor sempre interessado, talvez atraia espíritos ou mais finos ou mais cultos: suas crônicas são intelectuais, revestem-se de fineza filosófica. Certo que a crônica precisa do leitor de crônica. Certo que há vários tipos de crônica e que um jornal precisa de todos eles. Mais certo que a crônica antes de, ou para ser crônica, é jornalismo, e deve-se subordinar às regras do jornal, oferecer ao leitor o que ele espera. E, então, prefere-se um Fernando Sabino, contista do cotidiano, descobridor do saboroso e pitoresco dos pequenos casos com que topamos todo dia. Como Stanislaw Ponte Preta, que era mais divertido, mais solto, mais observador dos fatos, e mais cronista, mais jornalista.

Falou-se muito de Rubem Braga como nosso melhor cronista. Amo as suas crônicas, de um encanto especial, algo que eu definiria como poesia da virilidade – poesia da infância, da natureza, mas sempre o encanto do homem maduro, forte e terno, fraco e sábio, sabedor de sua fraqueza e da grandeza das coisas simples da vida. Mas os poetas, Drummond, Bandeira, Cecília, Vinicius também deram excelentes cronistas, contando casos densos, ou somente conversando, mas com um peso e com uma leveza especial de linguagem.

Nos anos 70 Carlos Eduardo Novaes e Lourenço Diaféria se afirmam como grandes cronistas. Novaes vê a política de então como verdadeira comédia. Ri e faz rir. Nada tem sentido. Num momento tão conturbado o riso é o melhor remédio. Numa linguagem simples e direta, põe em ebulição a comédia política brasileira. Descendente direto de Stanislaw Ponte Preta, perde para este enquanto criador de tipos e de uma linguagem que detecta a transformação da sociedade carioca e nacional, bafejada pelo ridículo a cada passo, – mas é sempre contundente, pela atualidade de seus temas, tratados com graça e descontração (essa atualidade dos temas, para a época, talvez tornem essas crônicas, hoje, fora de época).

Já Lourenço Diaféria deu uma sumida, depois de andar mais e mais em alta; “Herói. Morto. Nós”, uma crônica sua, muito boa, humana criativa, do autor no auge da sua técnica, essa técnica que nem aparece, de tão bem trabalhada que é, ofendeu os donos do poder, que não podiam conceber que um deles, mas um simples sargento, valesse mais como herói do que os heróis de pedra; talvez tenha tido um quê a mais de violento em sua linguagem, mas era próprio do período; mais um pouquinho e viria a distensão, mas os donos do poder não poderiam tolerar, e os donos do outro poder, uma das seções do 4o poder, a valorosa imprensa, foram fracos e ele acabou afastado de suas fileiras; o que não matou o cronista, logo escrevendo aqui e ali, depois desenvolvendo o seu amor pelas ruas da paulicéia, como um poeta de férias em seu lar, e trabalhando.

A crônica não pára. Agora temos os cronistas da internet, os leitores de crônica que não se contentam em ser apenas leitores, querem opinar, querem criar. Como quem fazia um diário, dando o seu testemunho para si mesmo, às vezes publicando ou sendo publicado, e, se esse diarista fosse um Kafka, um Dostoievski, um Gide, ou fosse um Valéry escrevendo seus cahiers, apresentava ao mundo uma obra de valor; como quem fazia um diário, esses cronistas fazem suas crônicas, que têm a vantagem de ter a obrigação de ser bem-feitas, de se inventarem uma forma, que as limita e engrandece.

É difícil dizer qual tipo de crônica agrada mais. Tudo depende das circunstâncias, da hora e lugar. Acontece também que o cronista escreve semanalmente e até diariamente, e os melhores cronistas são obrigados a apresentar páginas fraquíssimas. Mas certamente, em Novaes, Stanislaw ou Diaféria, em Rubem Braga, Fernando Sabino ou Drummond, nos vivos e nos mortos, encontramos a crônica que nos diz alguma coisa. Nos vivos e nos mortos, que, lembrando Ezra Pound, a literatura é notícia que permanece, e se é literatura e não apenas jornalismo, a crônica permanece.

O bom cronista pode estar desatualizado, tratar de fatos há muito passados, e no entanto agradar, divertir, comover, interessar. Como um Machado de Assis, que escrevia há cem anos, e na sua pior página tem sempre um parágrafo, uma frase, um dito espirituoso que provocará o leitor de hoje e de amanhã.

Disponível em: http://www.blocosonline.com.br/literatura/prosa/cron/cb/2003/030222.htm ; Acessado em 27/02/2009 às 15h20.


Observação: Leiam o texto "Quando crescer... NÃO quero ser como você" que escrevi.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Quando eu crescer... NÃO quero ser como você.

Há momentos em que o corpo pede: pare!
Mas há momentos em que é a cabeça que precisa de um tempo. Se estivermos com a imunidade baixa e o corpo cansado, é simples: ficamos doentes. Mas se é cabeça, parece que ao invés de relaxarmos, pensamos mais, nos questionamos mais, etc.

É o que se passou comigo esta semana. Não falo de problemas de âmbito pessoal. Estes nos afetam, nos deixam para baixo, mas passam... Não passam? Falo aqui de coisas que ouvimos, vemos ou vivemos e que depois não saem da nossa cabeça.

Decidi estudar para ser jornalista. Estou certa que é disso que gosto e que serei boa nisso. Entendo que tenho como que uma missão a cumprir perante a sociedade em que vivo. Sociedade esta, que me fez – entre outros fatores - o que sou hoje.

E o que sou? Bem, sou uma jovem mulher, de 20 anos. Gosto de ler, de escrever, de viajar, de conhecer pessoas e, sou também curiosa. Tenho um gênio que as vezes pode ser dificil de dobrar, tenho minhas convicções e ideologias. Gosto de parecer forte...

Eis o conflito de uma estudante de jornalismo: decepcionei-me com algo que ouvi depois de ter produzido um bom texto. Ao terminei de escrever fiquei satisfeita, tinha gostado de verdade do que eu tinha feito. É como se eu tivesse caído em mim e me dado conta de que posso ser tão pequena e impotente diante de algo tão grande e, ao mesmo tempo, sem dimensão.

Eu me explico: acho que os jornalistas não devem se contentar em contar histórias, apenas. Há um papel por trás disso. Fala-se da vida das pessoas e não tem o menor senso crítico para julgar ou comentar. Formamos opinião, mas não ensinamos a população a pensar por si própria, por quê? Ah, sim. Porque nos convém e é mais cômodo que seja (e continue sendo) assim.

O que estou fazendo numa universidade ?

É como dar-se conta de que, não importa o que ou o quanto você faça, sempre será insuficiente.
Mas como eu disse, gosto de parecer forte e ainda acrescentaria que sou uma pessoa inquieta, insatisfeita. Então tenho duas opções: submeter-me ou não.

A população brasileira não é burra, mas não tem escolha. E o jornalista brasileiro (assim como a própria população) merece mais reconhecimento, espaço e respeito. Penso no caso da França, por exemplo, os jornalistas são vistos e respeitados como intelectuais (e não contadores de história). Lá, o mesmo fulano que escreve um artigo no Le Monde, é também sociólogo, psicólogo, historiador ou economista.

Foi então que decidi me especializar (em meio ambiente e desenvolvimento sustentável). Primeiro porque me diferenciaria de todos os outros (a maioria) que não sabem do que falam. “Deu-s, perdoai-os, eles não sabem do que falam”.
E depois porque daria mais credibilidade ao leitor ao mesmo tempo em que eu, luto pelo que acredito.

E no que eu acredito? Bem, de maneira bem simples, resume-se a: falar com a propriedade de alguém que entende e tem um engajamento cívico, sem tomar o outro por um idiota.

Talvez eu ainda seja muito jovem e ainda descubra o que quero ser. Mas sei bem no que não quero me tornar.



(Sugestão: leiam meu comentário no fim do texto).

Lisa ELKAIM

sábado, 14 de fevereiro de 2009

A utopia européia: A luta por uma Europa unida e a crise sobre uma identidade.

O presente trabalho, proposto na disciplina Técnicas de Pesquisa e orientado pelo professor Antonio Sérgio Bichir, consiste num projeto de pesquisa bibliográfica no qual confrontaremos as idéias e teorias de três diferentes autores. Nesse contexto, selecionamos trechos de algumas obras que nos servirão de apoio para uma posterior análise crítica e discussão fundamentada acerca do tema escolhido: a utopia de se construir, a partir de uma Europa destruída após a Segunda Guerra Mundial, uma Europa unida, sem para tanto agredir a identidade (e nacionalidade) dos povos.

(contextualização) Introdução

Apesar de existir há séculos, a Europa tem buscado permanentemente um identidade, um significado e até mesmo, uma essência à sua existência. Seus cidadãos devem reconhecer-se mutuamente enquanto membros de algo em comum ou devem valorizar o nacionalismo, preservar sua língua e costumes? Que valores determinarão a identidade européia?

No atual contexto da Europa, de sucessivos alargamentos – os dois últimos, de 2004 abrangendo dez países e o de 2007 incluindo dois novos membros, tendo sido os mais importantes, há de se questionar sobre o papel que este continente ou bloco (e se bloco, econômico ou político) deve exercer sobre as sociedades, se deve acompanhar o modelo americano ou se tem alguma “missão” de caráter mais humano a cumprir.

Esses debates propostos acima levam em conta apenas um lado: o que a sociedade, de forma geral, espera da Europa. No entanto, é preciso entender e conhecer o continente, saber discernir a Europa e a União Européia, ainda que a segunda encontre suas raízes na história de um continente perturbado tanto na sua história como na sua geografia.

A nossa problemática nasce de duas principais questões: como passar de uma Europa limitada geograficamente, destruída após a guerra e de nacionalismos exacerbados a uma Europa alargada e integrada e por outro lado, como os sucessivos alargamentos afetam a identidade do povo europeu.

Assim, torna-se importante levar em conta alguns aspectos relativos à formação da Europa como, por exemplo, o desejo (do ponto de vista dos fundadores, mas também dos europeus) de construir um terceiro bloco num contexto anteriormente bipolar.

Nesse cenário, estariam os europeus dispostos a assumir um destino em comum? Se analisarmos o caso de referendo votado na França em 2005 para uma constituição européia, talvez se chegasse à conclusão de que a Europa não era um objeto de desejo, e talvez até nem devesse assumir este papel.

Então, o que é a Europa e quem são os europeus, afinal? Pois, se esta tem vocação para abraçar qualquer país que se adéqüe às suas “imposições”, logo a Europa não poderá mais definir suas fronteiras. E então, a questão da identidade, já discutida e reivindicada, se agravaria.

Neste caso, o que seria do projeto europeu, que tinha por missão estabelecer a paz entre os povos através da união? A luta por uma Europa unida, povos unidos e identidades não agredidas, parece um tanto utópica se estes povos não chegarem a se ver como “irmãos”.


Lisa ELKAIM