quarta-feira, 19 de maio de 2010

Igreja x Pedofilia - análise de caso

Como o tema é tratado na imprensa e o que o código de ética dos jornalitas tem a dizer sobre isso?

O Código de ética dos jornalistas brasileiros se baseia em fundamentos que dizem respeito à liberdade de expressão, ao direito do cidadão à informação precisa, verdadeira e de qualidade. Defende o exercício da profissão como uma atividade de natureza social que leva ao conhecimento comum informações de interesse público e que, em nome de uma verdade e de um dever social, denuncia e se opõe ao autoritarismo e opressão, para defender os princípios expressos na Declaração dos Direitos Humanos.

Ao nos depararmos com tantas notícias sobre abusos sexuais e casos de pedofilia dentro da Igreja – atos que, sem dúvida, são desprezíveis - cabe aqui questionar-se sobre os princípios éticos da profissão quando se trata da abordagem ao tema e o direito à intimidade, privacidade, honra e imagem do cidadão, defendidos pelo Código.

Em nome da verdade e da denúncia, o jornalista pode ir contra a ética? Pode utilizar métodos como câmeras escondidas ou identidades falsas para trazer à tona uma informação, mesmo que seja pelo interesse público? A revista francesa Télérama, recentemente publicou uma reportagem a esse respeito e classifica essa prática como “jornalismo clandestino”.

Mas quais são os limites de uma reportagem e, por extensão, do exercício do jornalismo se entendido como missão e dever social?

A intenção primeira é fornecer a informação aos leitores, que têm esse direito garantido. E num segundo momento, talvez, fomentar o debate. E nesse sentido, o jornalismo que assume seu papel de forma radical e plena, tem legitimidade absoluta para fazer dessa “clandestinidade” uma arma, um meio de observar e apontar as disfunções da sociedade. O valor do jornalismo bem exercido reside precisamente na medida em que pode contextualizar, vivenciar e observar de perto e colocar as coisas em perspectiva.

É o caso, por exemplo, de um grupo de jornalistas franceses que decidiram levar a questão para um programa de televisão, uma série chamada Les Infiltrés (Os Infiltrados). Através desse programa, dá-se a chance da população pensar e reagir, se manifestar de alguma maneira. A imersão no assunto e o fato do jornalista experimentar e viver determinadas situações acabam por atribuir uma credibilidade maior à história, mas há sempre um risco, uma tênue linha vermelha que não se pode ultrapassar: perder a distância necessária para relatar os fatos.

Há casos, em que o jornalista se comporta seja de forma narcísica, seja como se fosse policial. E no caso de denúncia a padres ou sacerdotes pedófilos, é evidente que acarreta problemas de ordem moral. A entrevista ou denúncia não deve, no entanto, ser feita no intuito de colocar um cidadão na cadeia, mas o jornalista tem a obrigação cívica de apontar o caso à polícia, para que as investigações prossigam. Então o jornalista age dentro da profissão ou como cidadão? O dilema é complexo e há escolhas que um jornalista deve fazer todos os dias que não fáceis, em nome da verdade e da rapidez com que a notícia deve chegar aos leitores.
Em cada uma dessas escolhas, alguém sempre sairá ganhando e outro perdendo. E não se deve nunca esquecer, e este talvez seja um dos princípios mais fundamentais do código de ética, que o jornalismo lida sim com fatos, mas lida também com pessoas.

No artigo de Carlos Alberto Di Franco, publicado no jornal O Estado De São Paulo em 3 de maio de 2010, a constatação é que o jornalismo enfrenta uma crise, não só pelo avanço avassalador dos meios eletrônicos, mas porque falta o preparo técnico que afina apuração com engajamento ideológico.

No caso específico das notícias sobre abusos sexuais na Igreja, o autor frisa que a expressão “pedofilia epidêmica” que tanto repercutiu (e repercute ainda) nos meios de comunicação, é equivocada. Segundo ele, porque esses abusos não são praticados apenas na Igreja e, inclusive, destaca que o índice desse delito é mais flagrado dentro de escolas, por exemplo.
Assim, a má qualidade da cobertura jornalística estaria em não dar conta do fato como um todo ou de denunciar uma prática que coloca em questão um hábito secular, como o voto de celibato?

A notícia que não é bem apurada e denigre a imagem de uma pessoa gratuitamente é sim, passível de críticas, pois baseada no sensacionalismo, estará mais preocupada em vender jornal do que prestar qualquer tipo de serviço à população. Mas se baseada nos tantos outros princípios éticos que regem o oficio e, principalmente, se vem por meio da notícia, servir como órgão verdadeiramente fiscalizador dos poderes públicos e, porque não, da Igreja, qual é a crítica a se fazer?

Em relação a este tema, o artigo publicado no Observatório da Imprensa por Alberto Dines sob o título “Um elogia à hipocrisia”, ressalta que é preciso ir mais além dos números e dar-se conta que, se por muitos anos falou-se mais em abusos sexuais dentro de escolas e agora se traz à tona flagras e histórias terríveis envolvendo sacerdotes, é porque o exercício da democracia, que é portanto, a base do jornalismo, tem sido realizado com mais empenho, ao contrário do que o autor do texto “Crise no Jornalismo”, Carlos Alberto Di Franco, nos faz parecer. E, num segundo momento, é preciso se questionar por que tantas histórias foram mantidas no escuro durante todo esse tempo, ainda mais em um país como a Itália. É preciso fomentar o debate, cada vez mais, sobre o controle que as corporações têm sobre os meios de comunicação, é verdade. Mas por que não colocar em questão o Vaticano?

E se não é um jornalista para fazê-lo, quem então?


Por, Lisa ELKAIM

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